domingo, 7 de agosto de 2011

primeiras palavras

Faz algum tempo que eu não escrevo algo como isto. Acho que desde que eu abandonei o meu blog próprio. Mas, creio, se faz necessário voltar. A dramaturgia que ensaio escrever hoje, do lugar de onde eu olho e de onde eu estou, tem relações estreitas com a minha experiência pessoal – ou seja, com o lugar onde eu sou: um anônimo que diálogo com outrem em busca de algo. Nunca estudei artes cênicas, de maneira formal, nem, também, nunca assisti a aulas de dramaturgia. Não sei como – aliás, sei sim – acabei estando enveredado nestes caminhos. Cresci assistindo televisão. E fui algumas vezes ao cinema e ao teatro com minha família, quando ainda era criança. Assisti muita ‘sessão da tarde’, numa época em que a programação de filmes era bem diversa da atual. Sempre adorei os musicais. Sempre. Cresci. Um dia vi AS VELHAS, sob direção de Moncho Rodriguez, e sobre esta história não vou falar de novo. Quem me conhece sabe. Continuei amando o musical, mas, agora, não só no cinema. Com o advento da internet, descobri o musical enquanto forma dramática, em meio mesmo à indústria cultural, mas também conheci a contracultura possível nesta forma-produto. Um dia, nas noites da TV, conheci a Carmen, de Bizet. Conheci as peças do Chico Buarque, e fui levado a elas pela música de um velho vinil de uma coleção de MPB que havia lá em casa. Comprei os textos. E acabei me tornando um diletante, depois um pesquisador, e, hoje em dia, li muito, estudei muito, vi muito teatro. E acho que conheço um pouquinho do que ele é. Bem pouquinho...

Ouvi hoje uma frase interessante: “O teatro existiu antes de mim e existirá para além de mim”. Apesar de sua aparente obviedade, isso me colocou numa posição de perspectiva. Escrevi teatro para meu grupo de jovens na igreja, e, um dia, por uma provocação de uma amiga, escrevi um monólogo. Ganhei prêmio e tudo! Depois, fui convidado para escrever uma paixão de Cristo. E se sei que ela – a minha dramaturgia – não foi a melhor de todas, sei também que ela mudou um rumo, ou ajudou a mudá-lo. Essa paixão se não é a mais lembrada, pra mim ela é basilar. Talvez pela minha vida que ela ajudou a mudar. Trabalhei como dramaturgista em outra. Essa me desafiou, me tornei letrista e tudo! Depois trabalhei em outros projetos, incluindo um lindo auto de Natal, que rendeu frutos por dois anos. Enfim, mas o que isso tem com tudo o que quero falar? Talvez nada. Ou tudo.

Quando cheguei à Campina Grande, queria re-encontrar o teatro. E o prazer de estar nele. Desejei em mil conversas com Regina [Albuquerque] começar algo. Mas, sempre o mesmo: como? Onde? Quando? Com quem seria? Até que um dia começamos, por razões que não cabem aqui, uma idéia: iríamos fazer uma espécie de musical-colagem-performance partindo de um mote – vivemos em um tempo de guerra. Acho que esse mote, que surgiu daquele contexto sobre o qual não vou falar aqui, se transformou pela minha admiração pela voz de Nayara [Brito, às vezes Nara Belmonte], quando trabalhamos juntos na leitura do Liberdade, Liberdade, no SESC. Sua voz me remetia – e sei que ela não vai levar à sério – à aspereza-suave da voz da Betha, nos idos da década de 60. E daí relacionar com os shows da Betha era um passo. Convidei Adeilma [Bastos] e Abisague [Cavalcante] e tínhamos quatro mulheres para falar sobre este tema-matriz. Não sabíamos o que iríamos fazer, só sabíamos que era de um jeito que a gente gostava, do jeito que a gente sabia fazer, e do jeito que dava pra ser: esse se tornou um lema por um tempo para nós.

Havia muito desejo de que desse certo. Não tenho técnica, não sou diretor, nunca tive pretensão de sê-lo, mas meio que tive que começar a fazer isso: nas inúmeras tardes em que nos encontramos para cantar músicas que queríamos no que poderia vir a ser, ensaiávamos juntos possibilidades, arranjos vocais e instrumentais. Cantamos o Borandá, de Edu Lobo, e o Mamãe, Coragem, de Caetano. Líamos a Hora da Estrela, de Clarice. Vimos imagens de adaptações e a imagem da nordestina migrante apareceu. Ela era uma outra matriz. Lemos Cícera Candoia, de Ronaldo Brito. E ela se estabeleceu. Mas, também, eu queria que as meninas falassem: e surgiu a idéia do: quem sou? De onde eu vim? Para onde eu vou? Elas me entregaram, depois de relutâncias, e emergiram do papel coisas lindas. Sentidas. Sofridas. Lindíssimas mesmo, que também são ditar ainda hoje no palco, felizmente. E um fantasma começou a rondar: e a cena?

Para a cena precisávamos de alguém que pudesse guiar a jornada. A esta altura, Duílio [Cunha] estava em Barbalha-CE, mas passava algumas vezes pela Paraíba. Pedi ajuda. E ele ajudou. Surgiram bases de cena que, hoje, estão lá no que estamos montando – mas, já-já, eu chego lá. Mas, ele tinha que partir. E ficamos, de novo, sós. E a coisa desandou. Aparecia um fantasma que eu passei a chamar de síndrome do grande diretor. Sem esta figura, parecia que a coisa não ia mais pra canto algum, pois a cena aparecera e, de alguma forma, fora abortada. Tentamos, ainda. Eu, Regina e Nayara, nos reunimos uma ou duas tarde, retomamos a sequencia, buscamos caminhos. Literalmente. Lembro de uma tarde em que trabalhamos a caminhada de Ciça e da Mãe. Uma tarde inteira. E hoje em dia esta caminhada lampeja na cena que está montada. Mas, lembro muito bem da tarde em que ela nasceu, ao som da trilha do Ensaio sobre a cegueira. Perdemos a motivação. E silenciou. Mas, do silêncio surgiu barulho. De novo. Quando Duilio voltou pra Paraíba, numa tarde, em meio a um bom café, falamos sobre a possibilidade de termos um grupo estável de pesquisa. E surgia o gérmen do que seria, depois, o PINEL. È sobre isso, no fundo, que eu quero falar. Na verdade, sobre o lugar da dramaturgia, que é o que me cabe. Mas fica pra depois. Eu volto: juro. Em breve. 

Diógenes Maciel

Um comentário:

  1. [suspiro]
    em primeiro lugar, estava com saudades desse seu jeito de escrever. e acho linda a sua relação com o teatro, a história, a gênese.
    bendita foi a hora em que me ofereci pra trabalhar com Regina naquela leitura, em 2009. nos reconhecemos pelo amor à Betha (sim, eu levo a sério o que você diz sobre as nossas "parecenças", mas avenossa!) e acho que isso nos aproximou e iniciou a amizade linda que temos hoje e que eu devoto.
    ainda lembro com saudade daquelas tardes de ensaio na casa de Abi/Adeilma. se por um lado trazemos a cena de Ciça, para o Como se fosse, de herança ('inda que não seja a mesma coisa) e os textos meu e de Regina (meu Deus, eles já teem mais de ano e meio!), por outro acho que coisas também interessantes surgiram e se perderam. mas, cá estamos.
    lembro também daquela tarde de ensaio em que apareceu a caminhada de Ciça e da mãe (nunca mais faremos igual!).
    enfim, as coisas se transformam. lembra? quando eu achava que se diluíam, vc me explicou: elas se transformam.
    e junto com elas, nós.

    que bom que não estou só neste espaço. volte mesmo, e em breve.

    =**

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