por
Diógenes Maciel
Creio que a forma como temos trabalhado, nesta jornada atual do PINEL, teve seu centro numa demanda pessoal de Duílio [Cunha]. Ele estava querendo trabalhar com formas narrativas no teatro. Ou seja: adoro! Eu sempre fui taxado como dramaturgo [morro de medo disso!] que escreve teatro narrativo. Alguém, certo dia, até já chegou a dizer que, nos meus textos, as “personagens não conversam...” Realmente, talvez, isso seja verdade. Hoje em dia tenho impressão de que eu faço isso conscientemente, como proposta estética, opção mesmo de trabalho. Todavia, nos meus primeiros exercícios, a coisa ia aparecendo assim mesmo, sem planejamento, na medida em que a matéria ia se formalizando. Então, o que fazer?
Tenho predileção pela “contação” de histórias. Obviamente, estou inserido em minha própria experiência como leitor de teatro. Afinal, o que eu leio? As tragédias gregas, ou o drama moderno [europeu e estadunidense, além, óbvio do brasileiro]. Daí, a questão fica bastantemente mais simples de entender. Se o diálogo formal é meio comunicacional no teatro, e isso está lá nas tragédias, ele também, neste contexto, se combinava com excertos narrativos apreensíveis nas falas do coro, que situava o conflito, trazia informações externas, contava, então, a história. Não vou aqui traçar uma linha da história do teatro, mas, como já nos ensinou Peter Szondi, tal tendência aparecerá no teatro medieval, nas peças elizabetanas, no drama barroco. A questão é quando chegamos ao drama moderno. Neste momento, fins do século XIX, o diálogo formal começa a ser problematizado, como vemos em Tchekhov, e as personagens quase desempenham o diálogo ‘de surdos’, ou seja, a comunicação fica truncada, improdutiva. E esse processo vai se radicalizando até a esfera narrativa começar a dominar a cena, como teremos em Brecht, o que não quer dizer que o diálogo desapareça. Sempre acho que, mesmo nos monólogos, há um diálogo, nem que seja com a platéia. A questão é que não acredito mais na peça de conversação. Ela não diz de nosso momento sociocultural, de nosso estar-no-mundo. Há muita discussão teórica sobre isso e agora mesmo ando lendo sobre isso e estou encantado com as reflexões do Luís Alberto de Abreu – um capítulo para outra conversa nossa.
Voltando ao começo. Duílio, então, nos propunha o trabalho a partir da narrativa curta. Os atores da primeira etapa [eram sete àquela altura] trouxeram contos curtos. E eu lá com “Cícera Candoia”, de Ronaldo Correia de Brito, debaixo do braço! Não era possível desprezar o material sobre o qual eu falei no post anterior. As improvisações e o treinamento técnico começaram. Foram tardes e tardes tentando descobrir possibilidades: observar o outro, problematizar a situação, escolher o ponto de vista, sair e entrar da personagem, analisar criticamente a personagem, distanciar-se dela, aproximar-se dela, descobrir a voz, o corpo. Afinal, como se “conta” uma história no teatro? – É necessário descobri isso, treinar. Observar o outro, ver a ação se construindo no arcabouço verbal, mas, também, no plano da ação física, que, em princípio, não deve, apenas, ilustrar. Creio que para este primeiro grupo, o exercício parecia sem sentido: quais os personagens? De onde eles partem? Como se constrói um personagem diante disso? E, ao que me parece, isso não era o mais relevante, mas, antes, o ponto de vista. De onde se narra? Quem narra? Como o ator se torna um narrador – ou, como temos chamado, a partir de Sarrazac, um rapsodo? Curiosamente, como na tradição grega, o rapsodo já era um algo extremamente diverso: junção de ator, declamador, recitador, performer e especialista em literatura, capaz de discuti-la, com alguma competência, após a sua apresentação, em público. O centro era o texto e sua capacidade de performatizá-lo [será que isso se escreve assim, meu Deus?] para uma platéia e o texto era, sempre, de natureza épico-narrativa.
Penso que, diante deste impasse, de tarde infindáveis de exercícios que, apenas aparentemente, não levavam a nenhum lugar, o grupo foi se reduzindo e restaram cinco. Diante de um novo impasse, e de demandas do grupo, acabamos por formalizar um primeiro princípio: iríamos começar a lançar um desafio que se centraria na possibilidade de mostrar resultados provisórios, afinal, o que tínhamos na mão era uma pesquisa. E, em algum momento, ela tinha que ser lançada ao público, testada em suas hipóteses, em suas certezas provisórias, rumo a um resultado provável, mas já vislumbrável.
Com as várias partidas, fomos para o que já havia. E “Ciça” voltou. Este seria, portanto, a primeira idéia a ser trazida à cena. Na verdade, na verdade, a primeira idéia do PINEL foi, talvez por conta da minha presença, propor uma montagem de uma adaptação que eu fizera, tempos atrás, sob encomenda, de dois textos de Brito – o tal falado aqui “Cícera Candoia” e “Mentira de Amor”, ambos de Faca. Eu, no fundo, tinha – e talvez tenha – o desejo de ver uma montagem do, assim chamado, Armadilhas. Acho que, àquela altura, havia uma espécie de consenso imposto de que essa culminaria como sendo a primeira montagem do PINEL. Se era assim, então, começamos, de maneira mais efetiva a pensar no núcleo de Ciça para uma primeira possibilidade de exposição pública de nossos intentos. Sendo que, na medida em que o trabalho de treinamento avançava, eu não conseguia mais ver o Armadilhas. Era algo novo que se anunciava, mesmo que a história de Belmira, ainda me perturbasse e eu quisesse fazer isso. Não mais só Ciça que se impunha, havia a maravilha dos depoimentos de Nayara e Regina. E eles tinham que aparecer. Era uma coisa que havia eclodido com muita força em algumas das tardes de preparação: quem éramos nós mesmos? Isso precisava aparecer nos textos. Quais os limites, afinal, entre ator-narrador, ator-personagem e ator-pessoa física?
Pedi, então, a Anderson e a Cláudia – os restantes, junto com Chico, que viajara para Sampa, de férias – que, também, me escrevessem algo. Não preciso dizer que els não fizeram – Anderson só fez bem depois, sob muita pressão. Ódio dele por isso! E, nas nossas muitas conversas, aparecia sempre um incomodo: uma vontade danada de fazer algo, outra vontade danada de correr mundo, outra vontade danada de voltar – no tempo, no espaço, na imaginação.... E, então, eu ganhava o título que hoje dá nome ao nosso trabalho, brotando, se impondo e surgindo de tudo isso: ao mesmo que tempo que era possível – ou deveria ser – ficar aqui [no tempo histórico, no espaço, na vida] também era urgente ir, partir, mas, também, voltar. Foi assim que eu batizei o que viria a ser de Como se fosse [im]possível ficar aqui. Apesar da grandiloqüência do enunciado, era um título, caro a mim, pois das possibilidades surgem o seu contrário, e vice-versa. As pessoas gostaram. E Duílio teve a primeira idéia chave; partiríamos, então, antes da estréia de qualquer espetáculo o nosso trabalho em três exercícios, com um cronograma, mais ou menos, amarrado. Teríamos o compromisso, a partir dali, de apresentar: [1] o Como se fosse...; depois o [2] [im]possível e, por fim, o ... ficar aqui. E assim, começamos.
Adoro quando o ódio a minha pessoa aparece publicamente! rss
ResponderExcluirComo sempre, muito bem posto. Acho importante voltar ao início do processo, para entender onde chegamos e, talvez, para onde estamos indo. Além, é claro, de registrar para a nossa pesquisa, afinal.
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